Anne Rice de volta aos vampiros

Fonte: Blog da Bienal do Rio – O Globo – por André Miranda

Rice, de 69 anos, esteve no Brasil para a Bienal do Livro do Rio, onde participou de uma mesa no evento Encontro com Autores, com mediação de Claudia Chaves. Conhecida por livros como “Entrevista com o vampiro” (1976), Anne deixou as criaturas da noite de lado nos anos 2000, para se dedicar a romances sobre Jesus Cristo e sobre anjos, como o recém-lançado “De amor e maldade” (Rocco). Nessa entrevista, Anne fala de suas crenças, analisa personagens e diz que voltará a escrever sobre vampiros.

 

Ela foi a rainha dos vampiros num momento, tornou-se a rainha dos anjos em outro, e é sobretudo uma referência contemporânea quando se trata de livros de fantasia. A americana Anne A senhora acredita em anjos?

ANNE RICE: Acredito. Eu só não sinto que preciso exigir que as pessoas compartilhem minha crença. Mas acredito neles.

E qual seria o propósito dos anjos no plano divino?

ANNE: Escrevi esses livros justamente para tentar explorar suas atividades. Temos muitos livros hoje de pessoas que alegam ter visto anjos. Elas dizem que um anjo apareceu quando estavam perdidas na neve ou quando enfrentavam algum perigo. É claro que você não pode provar nada disso, poderia ser apenas um estranho qualquer. Mas muitos estão convencidos de que os anjos estão em volta. Eu mesmo já fui ajudada por muitas pessoas que apareceram do nada. Mas sempre achei que se tratavam de seres humanos. Quem sabe não eram anjos?

A senhora retornou às crenças católicas de sua infância em 1998 e voltou a se afastar delas em 2010. O que aconteceu?

ANNE: Experimentei uma conversão pessoal, mas acho que talvez tenha cometido um erro em retornar à Igreja. Fui criada no catolicismo e sempre tive muito amor pela Igreja. Mas, depois, percebi que muitas coisas na Igreja não me realizavam e preferi sair. Muitos católicos foram generosos e me apoiaram. Eu voltei porque achei que a religião faria tudo ficar bem na minha vida, aquilo já fazia parte de mim desde a juventude. Mas é complicado ser uma pessoa religiosa, é complicado ter que se preocupar com aquilo em todos os instantes de sua vida, em todos os momentos.

O quanto de suas próprias dúvidas e de sua fé estão incorporadas na personalidade de Toby O’Dare, seu protagonista em “As canções do serafim”?

ANNE: Muito. Falei muito de mim no personagem. No terceiro livro, ele vai experimentar dúvidas bastante reais sobre tudo isso. São questionamentos com que lidamos todos os dias.

Quais são as intenções do anjo Malchiah para ele?

ANNE: Malchiah aparece para ele no primeiro livro e mostra que ele pode mudar, que pode ser um bom sujeito. No terceiro livro, vou entrar mais no pensamento de Malchiah e tratar da filosofia dos anjos. Se você observar as Escrituras, verá que os anjos assumem lados diferentes, defendem reinos diferentes contra outros anjos. Já no “De amor e maldade”, os anjos da guarda se irritam com o Malchiah. Quero explorar mais isso.

Nos livros, as missões de Toby O’Dare são levadas para séculos no passado? Por que a senhora quis fazer essa ligação com o passado?

ANNE: Adoro escrever sobre períodos históricos. Então pensei: e se os anjos puderem ver outras épocas como num grande campo e puderem fazer com que as pessoas se movam de um tempo para outro? Isso me deu a chance de escrever sobre qualquer lugar. Posso ir para o Egito Antigo, para a Roma Antigo, até para o Brasil. Meu plano é que ele vá para a Inglaterra nos anos da Peste Negra no terceiro livro. Ele terá uma desafio que não apareceu nos dois primeiros livros: salvar a alma de uma pessoa que é muito má. Espero terminar a série “As canções do serafim” aí, mas vou deixar a história um pouco aberta para caso eu queira continuar.

Histórias de vampiros sempre foram mais bem-sucedidas na cultura pop do que as histórias de anjos. Por que a senhora acha que isso acontece?

ANNE: É mais fácil fazer um vampiro ser glamouroso, trágico e complicado. Se você assumir a visão bíblica dos anjos, eles não têm dúvidas, não são tentados, estão sempre ao lado de Deus. É um desafio. Com os vampiros você tem mais liberdade, há inclusive possibilidades maiores dentro da mitologia dos vampiros. Os anjos são completamente comprometidos com a bondade. É triste que não podemos fazer a bondade ser tão interessante quando a maldade.

O que a senhora acha das séries contemporâneas de vampiro, como “True blood” e “Crepúsculo”?

ANNE: Gosto de “True blood”, assisto o tempo todo. Mas não presto atenção em “Crepúsculo”, me parece que ele é feito para crianças pequenas.

Mas nem viu os filmes?

ANNE: Vi, e acho um tanto ridículos. Mas não quero falar mal. As crianças gostam, elas gostam do romance, então há uma função. Acho que “True blood” é mais divertido e inteligente.

A senhora voltaria a escrever sobre vampiros?

ANNE: Devo voltar. Não vou retornar a meus antigos personagens, quero trabalhar novos tipos. Doze livros daqueles vampiros foram o bastante para mim. Eu não conseguiria escrever mais sobre eles com todo meu coração. Os leitores ficariam decepcionados.

Nós começamos esta entrevista falando sobre suas crenças em anjos. Então talvez uma boa forma de encerrar é perguntar sobre sua crença em criaturas opostas. A senhora acredita em demônios?

ANNE: Não. Temos problemas em compreender como Deus permite que o mal aconteça. Mas acho que, infelizmente, aquilo que chamamos de mal acontece naturalmente. Acontece porque os seres humanos erram. Nunca vi um mal cuja origem não fosse humana.