Memória, eterna fonte

Por Camilla Cahet

Os escritores Gustavo Flinker e Lenice Gomes

O cheiro, a cor, o sabor, a lembrança da infância. Matéria-prima na construção de uma obra literária, a memória possui o poder de imortalizar os espaços, momentos e sentimentos, exercendo a atividade sublime de reconstruir o passado com a percepção do presente.  Mas o despertar desse prazer, tão necessário às crianças, nem sempre é estimulado pelas escolas, que apresentam uma Literatura metódica e uma obra paradidática.

“A escrita é uma maneira de explicar a inquietude da lembrança. Por isso a importância em degustar a palavra. O ouvinte recebe essa palavra da qual ele vai construindo a sua memória, que será fonte para outras memórias. Mas a escola, com seus paradidáticos, não prepara o aluno para essa degustação, não mostra a ele a magia da Literatura. Ele cresce achando que ler é chato. Isso não pode”,  afirmou Lenice Gomes, durante o seminário sobre Criação e Leitura Literária, na V Bienal do Livro de Alagoas.

Na tentativa de vincular ensinamentos pedagógicos à Literatura, escolas e até alguns escritores abdicam da essência da obra literária e optam por apresentar para as crianças uma obra dividida, cheia de regras, normas e sem encantamento.

“A produção cultural para o público infantil, por vezes, parece que foi feita por adultos que esqueceram que um dia já foram crianças. São materiais moralistas, chatos, nos quais as crianças não se identificam e não sentem o menor prazer em desfrutar. A leitura precisa estimular a criatividade e curiosidade, tornar a criança uma caçadora de memórias”, comentou Gustavo Flinker, que também participou do Seminário, e desde 1998 se dedica à produção cultural para crianças, em Porto Alegre.

Na ânsia de mostrar e preparar as crianças para o mundo, as escolas elaboram projetos politicamente corretos, mas com pouco conteúdo atrativo. Materiais infantilizados para um público crítico que deseja ser grande.

“O que uma criança gosta? A resposta para essa pergunta está cada vez mais complexa. A criança não gosta só do que é infantil, ela gosta de uma banda de rock, de uma novela das 8h, ela vai além do que se imagina para sua idade. É preciso ter cuidado com o que se produz. O tema pode ser infantil, mas é preciso não infantilizar”, destaca Flinker.

Nessa tentativa de explicar tudo, a escola não estimula o prazer por descobrir, apresentando uma Literatura perfeita morfologicamente, mas sem vida, sem entrelinhas e sem memória. “A Literatura humaniza, liberta. Ela não é feita para ser explicada. É para sentir, deleitar. Quando se explica, perde o encanto”, Lenice Gomes.