João Ubaldo encanta público da Flip

Site da Folha de São Paulo

 

João Ubaldo Ribeiro está em lua de mel com a Flip. Após algumas rusgas em 2004, quando cancelou sua ida a Paraty por se considerar preterido em relação aos autores estrangeiros, João Ubaldo participou da festa no ano passado, encantando o público com sua fala barroca.

Foto: André Conti/Divulgação

Na manhã desta quinta (5), o vencedor do Prêmio Camões foi novamente o centro das atenções da festa literária. Ao lado de Walcyr Carrasco, autor da adaptação de “Gabriela”, exibida atualmente pela Globo, o escritor baiano participou de uma mesa em homenagem a seu “compadre” Jorge Amado. A mediação foi feita pelo jornalista e escritor Edney Silvestre.

A mesa ocorreu na Casa de Cultura, principal espaço da programação paralela à Flip. Os lugares disponíveis (cerca de 50) eram insuficientes diante da grande fila que se formou na entrada do espaço. O público sem ingresso dirigiu-se à Tenda do Telão, espaço que exibe os debates ao vivo, e também ficou lotado.

Durante uma hora e meia, os dois falaram sobre a obra de Amado, a atualidade de seus personagens e as adaptações de seus livros para a TV e o cinema.

Os momentos mais saborosos, contudo, vieram das recordações de João Ubaldo sobre a vida do conterrâneo.

“Glauber [Rocha, cineasta] e eu éramos muito próximos dele. Mas ele não gostava de ser visto como pai, como uma figura paternal. Preferia ser visto como um irmão mais velho.”

Certa vez, contou, Glauber quis oferecer um baseado (cigarro de maconha) a Amado. “Aplica no velho”, teria dito a Ubaldo. “Não tive coragem”, explicou o escritor, provocando risos na plateia.

João Ubaldo relembrou ainda a fama de mulherengo do escritor e o “medo terrível” que ele tinha da mulher, Zélia Gattai.

“Ele criava nos livros mulheres poderosas, era assim que pensava. Ele mostrava os meandros, as artimanhas que as mulheres usavam para contornar a situação e mostrar quem estava no comando.”

Perguntado se Jorge Amado aprovaria a nova versão de “Gabriela” na TV, respondeu que ele “dificilmente falaria algo”. “Na privacidade, talvez fizesse algumas observações. Ele sempre me deu um conselho: não se meta com esse povo de televisão.”

Já Carrasco argumentou que, mesmo alterando a ordem dos acontecimentos do livro e acrescentando personagens que não existem no romance original, preserva o universo do escritor e as relações de poder que ele retratou. “A novela vai levar Jorge Amado para pessoas que nunca ouviram falar dele”, afirmou Carrasco.

Ambos lamentaram que Jorge Amado seja tão pouco lido hoje. Entre as razões para isso, João Ubaldo destacou a falta de preparo das escolas e dos professores.

“Ler é custoso e requer um trabalho muito grande na introdução desse hábito. Já li questões de vestibular sobre meus livros que seria incapaz de responder. Esse ódio que muitos alunos têm aos clássicos é transmitido pelos professores”, acredita o escritor.

Ele citou ainda como exemplo o “provincianismo brasileiro”, que sempre valoriza a cultura estrangeira.

“Nós não nos respeitamos. Talvez até com alguma razão”, concluiu João Ubaldo, antes de ser ovacionado (mais uma vez) pela plateia.
MARCO RODRIGO ALMEIDA
Foto: André Conti/Divulgação