Mediadores de Amanhã

Simone Cavalcante

Com o tema Crianças e jovens no século XXI – leitores e leituras, o seminário internacional Conversas ao pé de página, realizado no Teatro Paulo Autran, em São Paulo, tornou-se uma sala de estar onde convidados defenderam pontos de vista, confrontaram ideias e trocaram informações além das fronteiras de seus países. A mesa-redonda Mediadores de Amanhã pôs em xeque as políticas públicas de leitura, bem como a formação de novos mediadores, a partir de experiências do Brasil, México e França.

O que pensam os gestores públicos quando põem a roda dos livros e da leitura em movimento?

No México, o Programa Nacional de Salas de Leitura, conduzido pelo Ministério da Cultura e das Artes do México (Conaculta), forma, há 17 anos, mediadores de leitura voluntários para atuarem em comunidades urbanas e rurais. Num curso com duração de três anos, os interessados recebem os conhecimentos necessários sobre leitura a aprendem como atuar em áreas de difícil acesso, tendo em vista que as 3.000 bibliotecas existentes não atingem de forma democrática a população.

Programa Salas de Leitura no México

As salas de leitura iniciam com um acervo mínimo de 100 títulos, que levam em conta a diversidade de dialetos indígenas. Os encontros, mediados pelo contador de histórias, acontecem em salas improvisadas em propriedades rurais, penitenciárias, estações de trem desativadas e até mesmo em cemitérios. Para os mexicanos, a morte é motivo de festa, de libertação. Por “supuesto”, estar com os livros é também momento de celebrar a liberdade de pensamento, criação e imaginação. Talvez isso ajude a entender por que o programa atinge, principalmente, crianças e jovens.

Além das salas fixas, alguns mediadores incentivam a leitura porta a porta. Os voluntários chegam a lugares distantes, de carona e a pé, emprestando livros. A ideia é não deixar os textos parados nas bibliotecas, mas fazê-los circular por meio de uma ficha de empréstimo. “A sociedade civil não desistiu” afirma Socorro Venegas, escritora que trabalha na linha de frente do Programa, ao se referir ao papel da sociedade mexicana no processo de formação de leitores.

Diferente do México, o Plano Nacional do Livro e da Leitura no Brasil (PNLL) investe na formação de mediadores, mas faz isso por meio de desembolso de recursos em chamadas públicas. Os agentes de leitura ou mediadores de leitura recebem uma bolsa mensal para atuarem nas comunidades, diferentemente da tradição mexicana do voluntarismo.
Lançado em 2006, a meta do Plano era incentivar a criação de novos planos de leitura em todos os estados e municípios brasileiros. Após seis anos de criação, o número de adeptos ao programa está muito distante do esperado.
Para José Castilho, diretor presidente da Fundação Editora da Unesp e ex-secretário executivo do PNLL, uma das explicações para esse malogro é a falta de permanência das políticas públicas: “O Brasil é o país das descontinuidades”. Na sua visão, os investimentos na área cresceram, mas falta sustentabilidade nas ações e uma melhor seleção das prioridades.

O desabafo de Castilho: “A política de acesso à leitura no país ainda é conduzida de forma elitizada pelos gestores públicos”


José Castilho defendeu um ponto de vista radical sobre o tema. Além da biblioteca pública de Rio Branco, no Acre, que vive lotada, os demais exemplos citados ratificam uma certa descrença e pessimismo sobre os projetos e programas de leitura em voga no Brasil. Ele afirmou que o país vive os desdobramentos de uma modernização conservadora, em que a política de acesso à leitura ainda é conduzida de forma elitizada pelos gestores públicos, e o hábito de ler, longe de ser uma tradição cultural, ainda disputa espaço com o “lixo produzido pela indústria cultural”.

França e Harry Potter

Já na França, tanto a escola como a família ocupam um lugar especial na formação de novos leitores. Existe uma transmissão familiar forte que faz com que o livro vá além de um objeto comercial e se consagre como algo fundante, um patrimônio cultural do país. Mas essa tradição não blinda totalmente as influências do mercado. A socióloga Sylvie Octobre, estudiosa das relações entre os jovens e as práticas culturais, revela que, ao passar das séries iniciais e com a entrada na adolescência, os alunos passam a ler menos no seu país, sendo grande a influência da indústria dos Best-sellers, como é o caso do romance Harry Potter. O livro ocupa hoje o primeiro lugar na preferência de adolescentes e jovens estudantes.

Diante do fenômeno Harry Potter, a decisão tomada pelas políticas de educação foi a de não incluir o romance no currículo escolar, para não afastar dos jovens seu espírito de transgressão, já que o texto é visto com reservas pela crítica. Sylvie acredita que “a mediação do saber é mais fácil que a do prazer” e talvez seja essa uma das dificuldades de diálogo dos professores com os jovens no colegial. Nessa fase, o prazer de ler incentivado de forma mais intensa nas séries iniciais, vai se perdendo porque a leitura deixa de ocupar um lugar de destaque em meio à diversidade de disciplinas e obrigações na sala de aula.

Mas, por outro lado, algumas influências tecnológicas da indústria cultural vêm sendo incorporadas como atrativos para a circulação de leitores nas 25.000 bibliotecas públicas do país. Numa espécie de cross media, o vídeo, o play station, a lan house, convivem em harmonia com os acervos bibliográficos e digitais da biblioteca, são as bem equipadas midiatecas. Esse modelo institucionalizado segue três linhas de atuação: a digitalização de livros, a política patrimonial – os livros vistos como objetos culturais -, e a inserção de acervos on line.

Além disso, outras políticas adotadas revelam o quanto o país avançou na área. Um exemplo é lei do preço único. As grandes redes de supermercado são impedidas de vender livros a um preço abaixo do estabelecido em catálogo. Essa escolha política protege os pequenos distribuidores, considerados peças importantes na cadeia do livro. Os jovens autores também se sentem muito estimulados com diversas ações de incentivo à escrita de textos.

Os caminhos para tornar a leitura uma prática extensiva a todos e vivenciada em toda sua potencialidade se diferenciam de cultura para cultura. Mas o que é uma boa mediação? O que é a criança? O que é o jovem? E como chegar até eles? São perguntas, ao que parece, abertas na América Latina, na Europa, ou em qualquer parte do mundo.