MÃOS À MÁQUINA

Crônica por Severino Rodrigues

Foto da imagem: Site Pixabay

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Já fiz curso de datilografia.

Dependendo do ponto de vista, pode parecer estranho, incrível ou inacreditável. Mas, muito antes de um computador adentrar em casa, tive aulas, quando mais novo, de como usar uma máquina de escrever.

Acho que estava na primeira ou na segunda série; hoje, equivalente ao segundo ou terceiro ano. Naquela época, na mesma escola onde eu estudava, existia duas possibilidades de fazer um curso duas vezes na semana no horário da manhã: Datilografia ou Computação. Talvez a tendência fosse optar pelo segundo, mas fiquei com o primeiro. E logo chegaram as lições…

asdfg asdfg asdfg asdfg asdfg asdfg
çlkjh çlkjh çlkjh çlkjh çlkjh çlkjh
ada dafa sada fada ada dafa sada fada

Era pequeno. Não recordo exatamente tudo. Mas era algo por aí. E a gente precisava utilizar os cinco dedos da mão esquerda nas primeiras aulas, depois os cincos da esquerda e, mais para frente no curso, os dez dedos. Cada dedo tinha a sua tecla.

O melhor era quando o professor se ausentava da sala e a turma usava somente o indicador. Era muito mais rápido. Mas não podia ser muito mais rápido para que ele não desconfiasse. E a gente ria, se divertindo.

Nem sempre.

Porque havia uma regra. E essa, ah!, como me lembro, dizia que cada página só poderia conter no máximo três erros. Três. Apenas três. Somente três. E eu errava mais. Quatro. Ou cinco vezes. E tinha que refazer. E tinha que refazer. E tinha que refazer. E o desespero batia quando ia se aproximando das últimas linhas da página e não podia mais errar e… errava! Na máquina de escrever não existia a tecla backspace, meu jovem leitor.

Aquilo – só três erros! – era perfeccionismo doentio. Não, eu não sabia nem o que era perfeccionismo nessa idade. Mas tinha vontade de abandonar o curso, desistir de datilografar e esquecer o asdfg espaço. Sim, asdfg espaço. A lição memorizada ficou, nota-se, para sempre batido – se falava bater à máquina, bater o texto – na minha cabeça.

O curioso é que, anos mais tarde, tornei-me escritor. E digitar – a palavra atualmente é essa – é essencial para a minha vida. Mas sou muito mais feliz agora. Invento minhas histórias com as mãos ao teclado e utilizando os dedos que quero. De preferência, só os indicadores.

E sou rápido assim. E rio com as aventuras dos meus personagens e me emociono com os diálogos deles sendo escritos dessa forma, com a agilidade de praticamente dois dedos que parecem dois corredores ágeis por caminhos de letras. Ou melhor, pulando com tudo sobre elas. A força que jogo sobre as teclas é a herança que me ficou daquelas aulas junto com as vezes que uso, sem querer, outros dedos que não os indicadores, estes, hoje, escritores oficiais da minha liberdade.

severino2

A coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.


4 comentários

  1. Está muito legal severo.Quando vai ter mais ?

    1. Leo, quinta agora, dia 09, tem mais! Fique de olho! Abração!

  2. Existem textos que tocam nossa alma, e existe autores que tocam nosso coração. E esse ato é para poucos, e o poucos possuem o codinome Severino. Que texto lindo *-*

    1. Nossa, Roberta! Que palavras! Assim eu não aguento… Muito obrigado pelo carinho. Um forte e igualmente carinhoso abraço!