Crônica por Severino Rodrigues
Recomendaram o livro, falando que era uma obra-prima. Ou melhor, ela recomendou. Decidi comprar, mas antes de chegar à livraria achei-o por acaso na biblioteca que acusava a inexistência do título no acervo.
Comecei a ler.
Logo nas primeiras páginas entendi quem recomendou e o porquê. Encontrei logo de cara os aspectos ou motivos que fizeram a supracitada mas indeterminada ela sugerir a leitura.
Continuei lendo e sentindo a falta de alguma coisa. Entendi porque a obra ganhou um prêmio, pensei em algumas hipóteses para a valorização daquela narrativa, analisei a estrutura que colaborava para que o texto se tornasse um romance. Em suma, eu estava pensando demais e lendo o livro de menos, porque, apesar de querer, a narrativa não estava empolgando.
E tinha personagens demais, mas vagos também demais, tudo demais. Como os demais que estou colocando nesta crônica.
Mas de repente, de repente não que se eu continuasse a leitura seria realmente o esperado, chego ao capítulo Dezenove. Como alguém que fica diante da porta de um apartamento cujo interior é igual a todos os outros do prédio. Digo, as divisões sala, cozinha, banheiro, quarto. Tudo meio que já aguardado.
Aí, a narradora da história, sim, havia uma narradora para ajudar na identificação e empolgação leitor-personagem, decide participar de uma, como posso falar sem dizer de cara qual a obra, reunião de loucos.
Então, o texto muda de figura. Isso depois da página cem! A narradora não faz nada, mas só observa e reflete. E eu concordo com tudo aquilo que ela observa e reflete. E eu queria escrever exatamente aquilo, mas não dá maneira que ela escreveu. Mas ela escreveu e basta. Sim, basta!
Porque ela decorou o apartamento com as suas palavras e que eu reconheci as minhas. Nesse capítulo, ela notou o que eu já havia notado e adotou uma postura que eu já adotei. Aproximação leitor e história. E só isso basta. Basta para dizer que ela salvou o livro!
Ela salvou o livro no capítulo Dezenove! Não importa o que virá depois, nem o que houve antes. Só o capítulo Dezenove bastou para salvar o livro e me fazer acreditar na existência da narradora e no talento da escritora.
É claro que tem gente que não gosta da história, sim já constatei por fontes certas e seguras; tem gente, ela, quem recomendou, que vai continuar gostando e chamando de obra-prima; e vai ter eu que só vou gostar do livro por causa do capítulo Dezenove.
Ou pelo menos até acabar a leitura do livro.
Ah, sim, qual? Não digo. Descubra o seu capítulo Dezenove.
A coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.
O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.
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Descobrir os nossos capítulos dezenove eh o que nos mantém despertos na vida. Ótima crônica Severo!