A Feira Internacional do Livro Infantojuvenil de Bolonha pode ser considerada o maior espaço destinado a este segmento no mundo. Ali se reúne gente do mundo inteiro para trocar figurinhas sobre o cenário do livro para crianças. Figurinhas muito variadas estas, eu diria, que vão desde o mais comercial dos comerciais ao mais alternativo dos alternativos, passando por matizes que tentam coordenar produção e inventividade para viabilizar bons produtos direcionados a um público mais que exigente: a criança leitora.
Depois de muitos anos frequentando a Feira de Bolonha e percebendo uma marcha quase impossível de ser desviada em direção a uma sempre maior superficialidade (seja nos textos, principalmente, que nos desenhos), este ano senti ares de mudança. Não uma mudança qualquer, mas uma mudança significativa em vários sentidos. Será que a crise econômica fez com que os operadores do setor repensassem suas práticas? Ou é influência do eclipse lunar?
Fato está que os editores vieram para Bolonha com muito menos quantidade (há pouco tempo, traduzi para a Revista Emília o texto de um escritor italiano que se chamava assim: “Caros editores, por favor publiquem menos”). Ao invés dos habituais “tiros pra todo lado” em busca do best seller, o que vi foram poucas e notáveis publicações, escolhidas a dedo (para as mais diversas finalidades, claro, que vão desde atingir o mercado asiático até simplesmente encantar a criança leitora, passando por satisfazer as exigências dos Planos Governamentais, no caso dos editores brasileiros). Junto a estas novidades mais selecionadas, vi bons livros publicados há três, quatro anos, que ano passado passado por exemplo já teriam sido mandados ao cemitério dos livros esquecidos, dada a efemeridade do contexto. Esta nova realidade, a meu ver, é extremamente positiva inclusive nesse sentido, isto é, de não considerar o livro infantil como produto perecível a alta potência. Isto porque os livros precisam de tempo para se fazer notar, para serem amados, para conquistar o leitor tornando-se um seu companheiro de viagem.
Embora Bolonha seja notoriamente a Feira da Ilustração (e tenha continuado assim), este ano percebi um avanço significativo também no que se refere à importância do texto escrito. De contra-regra que era (aquele que provê a beleza mas nunca aparece), o texto caminhou bastante rumo ao protagonismo compartilhado com as imagens. Muitos lançamentos trouxeram textos maravilhosos, alguns em poesia, outros em prosa da mais alta qualidade literária – sem necessariamente serem histórias; outros ainda trouxeram histórias deliciosas e boas de escutar e/ou ler escondidinho debaixo das cobertas. Nas novidades que li (desta vez tive vontade de levar um monte de livros pro hotel e não só folhear nos estandes), não vi nenhuma improvisação de quem resolveu que sabe escrever sem nunca ter trabalhado por isso, coisa que me irritava muito nos anos anteriores e sobre a qual a minha tecla estava já desgastada de tanto bater. Ao contrário, eu que batalho por uma escrita à altura da inteligência do pequeno leitor, trouxe para casa um monte de modelos pra ler, ler e mais ler, porque sei que assim a gente consegue melhorar a própria escrita.
A exposição dos ilustradores também foi uma linda surpresa. Este ano foram selecionados trabalhos muito elaborados, carregados (no bom sentido da palavra), que traziam desafios de perspectiva interessantíssimos. O conjunto da exposição revelou uma tendência ao trabalho mais dedicado, menos veloz, menos espontaneísta (que era para onde, como eu disse antes, salvo raras e honrosas excessões, a Feira vinha caminhando nos últimos anos). Cores, traços fortes, alguns até nervosos, mas sem vacilo. Uma comunicação mais reflexiva e menos instantânea. Fiquei parada muito tempo diante de algumas obras que insistiam em dizer-me coisas que eu nem gostaria de ouvir (por exemplo, o trabalho desta ilustradora inglesa sobre o papel autoritário e controlador do professor).
Enfim. Some-se a tudo isso os encontros e os reencontros, os abraços, os olhares, a consciência de que as pessoas existem de fato e não são apenas um perfil, a beleza medieval da capital da Emilia Romagna (em plena convulsão de transformação física também ela este ano!) e digamos que a Feira Internacional do Livro Infantojuvenil de Bolonha ainda é o centro do setor. Imperdível!
Claudia Souza é escritora e psicóloga com especialização em psicopedagogia, psicolinguística e educação artística. Mineira, mora em Milão há nove anos. Publica livros infantis em português, italiano e inglês e artigos em jornais e revistas no Brasil e na Itália. Pesquisadora da Infância, trabalha em projetos de intervenção cultural direcionados a crianças, entre eles o grupo ProgettoQualeGioco e o Istituto Callis Italia. Trabalha ainda na International School of Milan. (www.quemconta.wordpress.com)
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Desculpem pela qualidade surreal das fotos … 😉