#PALAVRAJOVEM Série de crônicas por Severino Rodrigues
Já havia andado um bocado pelo centro do Recife, resolvendo algumas pendências e, então, me dirigi ao correio. A agência estava quase vazia. Somente umas cinco ou seis pessoas brincando de saltar de cadeira em cadeira enquanto os caixas iam chamado o próximo a ser atendido.
Certo momento, uma mulher alta, de uns trinta anos, magra e de cabelos cacheados presos num coque mal feito se levantou. Era a sua vez. E foi acompanhada por um garoto de uns seis anos, que mordia um brinquedo (talvez um carrinho) e passou a se enroscar nas pernas da mãe.
Mesmo falando baixinho e eu não entendendo nada, percebi a diferença no jeito de falar da mulher. Sorri. Não era brasileira, mas de algum país de língua espanhola. Como sou professor de espanhol, o reconhecimento foi fácil. O atendimento dela um pouco menos.
Durante esse espaço temporal, o menino se afastou das pernas da mãe, indo de volta ao banco, o que a incomodou um pouco, e fazendo-a pedir que ele retornasse. Depois, quase no final do atendimento, o menino voltou a se afastar das suas pernas e ela, dessa vez visivelmente irritada, chamou-o de volta pelo nome. Ao término do processo todo, parece que não conseguiu resolver o que a levara ao correio, pediu ao filho que esperasse. Mas, enquanto guardava um documento na carteira, o garoto quis sair sozinho pela porta giratória. Nesse momento, a mulher perdeu a paciência e avançou para o menino.
Na hora, pensei que ela fosse bater nele, mas não. Ela abaixou a cabeça, segurou o braço do filho, encarou-o firmemente e perguntou alto sem esconder o sotaque:
– Eu falei espera! Você ouviu? Qual o significado de espera?
O menino não verbalizou resposta. Ficou quieto, mordendo seu brinquedo e esperando que a mãe terminasse de guardar o documento. Depois, saíram juntos, compartilhando o mesmo espaço da porta giratória; e ela, tomando a mão dele, na saída.
Fiquei pensando na atitude da mãe estrangeira. Ela perguntou ao filho qual o significado da palavra. O mais comum seria o teimoso escutar um xingamento ou levar algum tipo de safanão. Mas não. Ali, naquele dia, a mãe colocou o menino em confronto com a palavra.
E eu fiquei pensando nisso. Às vezes, na nossa correria, a gente vai usando certas palavras ou expressões e não paramos para refletir sobre o exato significado delas. Não estou falando em contexto ou nos vários sentidos que uma palavra pode apresentar, seja no mesmo ou em outro idioma. Estou falando no real sentido da palavra no ato de uso.
Hoje, há modos automáticos de falar e agir para quase tudo. E, na busca pela quantidade e pela velocidade, a qualidade e a verdade das falas das pessoas se esvai. Para existir qualidade, é preciso tempo para investigar os fatores, esquadrinhar os detalhes e elaborar a diferença. Em suma, parar, pensar e diferenciar. Em suma, abaixar o rosto, encarar o filho e fazer algo único. Para nossa época, utópico.
Afinal, em tempos de correria e mensagem padrão, a gente acaba falando da boca pra fora. Talvez fosse melhor falar também da boca pra dentro.
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