AVÔ, NETO E BICICLETA

PALAVRA JOVEM                

 Crônica Por Severino Rodrigues      

Fonte: "Pixabay", site de compartilhamento gratuito de imagens.

Fonte: “Pixabay”, site de compartilhamento gratuito de imagens.

Estava muito cansado. E me deixei desabar no banco de cimento para aguardar o ônibus. Olhei para um lado e para o outro. Nada. Respirei fundo. O jeito era esperar sentado.

A parada ficava numa pequena praça, se é que podemos chamá-la assim com seu chão de areia. Então, algum ruído me fez olhar para trás. E aquilo despertou a minha atenção. Quase falei baixinho na hora:

––  Ainda existe…

Um menino, de uns quatro ou cinco anos, com a fronte compenetrada em se equilibrar sobre a bicicleta, sem as rodinhas de apoio. E, ao seu lado, segurando firme o guidão com uma mão e com a outra o assento, um senhor não menos sério. Creio que o avô.

Quinta-feira. Sol poente. E um avô tentando ensinar seu neto a andar de bicicleta. Este não escondia a vontade de querer aprender logo; e aquele, sisudo, parecia até um pouco impaciente, enfastiado, na sua função de segurar o brinquedo de duas rodas para que não tombasse para a direita.

Anda faltando isso no mundo.

Crianças longe das telas. Avôs exercendo seus típicos papéis de avôs. E quintas-feiras bucólicas. A gente se acostumou a viver em conexão e a ausência de notificações nos assusta, porque nos deparamos com a arte de uma vida simples e sem pressa.

A cena acima parece, portanto, em extinção. Mas, nascido nos anos noventa, a minha infância tem dessas coisas. E esse momento me fez lembrar certa vez, quando meu avô e minha avó, foram lá casa e, pedalando pelo quintal nesse dia, caí e esfolei feio o joelho. Evidentemente, é claro, cuidei para esconder o machucado de todos, puxando o calção um pouco para baixo. Acho que ninguém viu. Hoje, porém, não tenho tanta certeza…

O tempo passa.

Os aniversários chegam, a altura muda e a acne aparece. A tecnologia vem e a gente se amarra nela. Esquecemos a analógica infância, sem conexão Wi-fi.

Um dia, porém, cansado, a gente se joga no banco de uma praça qualquer e volta ao passado ou reencontra um tempo que achava perdido enquanto espera o ônibus para nos levar para casa.

 

severinoA coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.


3 comentários

  1. Muito bom mesmo Severino, as vezes nos apegamos tanto as novidades dos tempos atuais que acabamos por esquecer das coisas simples que um dias nos trouxeram bastante alegria e que hoje acabam por se perder no tempo…

    1. Oi, Bruno! É verdade. Às vezes, as coisas mais simples são as que trazem mais alegrias! Abração!

  2. Com esse texto, lembrei de ontem indo para a padaria com meu sobrinho na bicicleta de rodinhas, que insistiu para o avô ir:
    “Vamo comprar o pão de bicicleta vovô? vamo!? tu vai na tua e eu na minha . ta bom?”
    E quando meu pai disse pra ele ir comigo pq o vovô tava cansado e ia deitar um pouco…ele disse: “não quero ir com ela, quero com vovô, de bicicleta”.

    Depois o convenci a ir sozinho, na bike dele e eu andando. E claro, ele aceitou!!
    Quero q meu filho tbm aprenda com o avô.