PALAVRA JOVEM
Crônica Por Severino Rodrigues
Estava muito cansado. E me deixei desabar no banco de cimento para aguardar o ônibus. Olhei para um lado e para o outro. Nada. Respirei fundo. O jeito era esperar sentado.
A parada ficava numa pequena praça, se é que podemos chamá-la assim com seu chão de areia. Então, algum ruído me fez olhar para trás. E aquilo despertou a minha atenção. Quase falei baixinho na hora:
–– Ainda existe…
Um menino, de uns quatro ou cinco anos, com a fronte compenetrada em se equilibrar sobre a bicicleta, sem as rodinhas de apoio. E, ao seu lado, segurando firme o guidão com uma mão e com a outra o assento, um senhor não menos sério. Creio que o avô.
Quinta-feira. Sol poente. E um avô tentando ensinar seu neto a andar de bicicleta. Este não escondia a vontade de querer aprender logo; e aquele, sisudo, parecia até um pouco impaciente, enfastiado, na sua função de segurar o brinquedo de duas rodas para que não tombasse para a direita.
Anda faltando isso no mundo.
Crianças longe das telas. Avôs exercendo seus típicos papéis de avôs. E quintas-feiras bucólicas. A gente se acostumou a viver em conexão e a ausência de notificações nos assusta, porque nos deparamos com a arte de uma vida simples e sem pressa.
A cena acima parece, portanto, em extinção. Mas, nascido nos anos noventa, a minha infância tem dessas coisas. E esse momento me fez lembrar certa vez, quando meu avô e minha avó, foram lá casa e, pedalando pelo quintal nesse dia, caí e esfolei feio o joelho. Evidentemente, é claro, cuidei para esconder o machucado de todos, puxando o calção um pouco para baixo. Acho que ninguém viu. Hoje, porém, não tenho tanta certeza…
O tempo passa.
Os aniversários chegam, a altura muda e a acne aparece. A tecnologia vem e a gente se amarra nela. Esquecemos a analógica infância, sem conexão Wi-fi.
Um dia, porém, cansado, a gente se joga no banco de uma praça qualquer e volta ao passado ou reencontra um tempo que achava perdido enquanto espera o ônibus para nos levar para casa.
A coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.
O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.
Muito bom mesmo Severino, as vezes nos apegamos tanto as novidades dos tempos atuais que acabamos por esquecer das coisas simples que um dias nos trouxeram bastante alegria e que hoje acabam por se perder no tempo…
Oi, Bruno! É verdade. Às vezes, as coisas mais simples são as que trazem mais alegrias! Abração!
Com esse texto, lembrei de ontem indo para a padaria com meu sobrinho na bicicleta de rodinhas, que insistiu para o avô ir:
“Vamo comprar o pão de bicicleta vovô? vamo!? tu vai na tua e eu na minha . ta bom?”
E quando meu pai disse pra ele ir comigo pq o vovô tava cansado e ia deitar um pouco…ele disse: “não quero ir com ela, quero com vovô, de bicicleta”.
Depois o convenci a ir sozinho, na bike dele e eu andando. E claro, ele aceitou!!
Quero q meu filho tbm aprenda com o avô.