Série de crônicas por Severino Rodrigues
Era impossível! Não, não era. Meus olhos arregalados, minha boca aberta e o coração batendo forte perante a cena terrível: meu álbum de figurinhas rasgado!
Acabara de brigar com meu irmão e num segundo de fúria ele sem qualquer hesitação partiu meu álbum em dois e mais alguns pedaços.
Meus olhos começaram a arder. Quando demoramos a piscar, normalmente isso acontece. Nem lembro ao certo qual foi a minha reação na hora. Só sei que horas ou dias depois colei os pedaços com fita adesiva. Me recordo da cena, mas não guardo rancor. Afinal, tenho uma relação de amor e ódio com meu irmão como todos os irmãos.
E tem horas que a gente está tão unido que nem parecemos irmãos. É sério! Quer um exemplo? Quando ficávamos sós em casa no domingo, às vezes conversamos, às vezes não. Um acordava cedo e o outro acordava tarde. Um passava horas no computador e o outro no notebook. Sem qualquer briga!
Quando ele está assistindo a algum filme – ele sabe escolher títulos muito melhor do que eu – paro o que estou fazendo e acabo acompanhando um trecho, depois volto ao que estava fazendo, depois não resisto e retorno ao filme mais um pouco e quando percebo a narrativa cinematográfica chega ao final e não fiz nada do que deveria ter feito.
E é claro que a gente briga também. Na maioria das vezes, no domingo em que nossa mãe fica em casa. Isso é bizarro, eu sei. Quando ela não está, a gente é unido. Quando ela está, somos duas potências mundiais em disputa territorial. Freud deve explicar.
Agora, se tem algo que não funciona sempre, mas, às vezes, dá certo é na hora de comprar presente para os nossos pais. Uma vez eu compro e depois ele me ressarce, outra vez é ele quem compra e eu pago depois. Mas já dei dinheiro antes e ele não comprou nada, porque não teve criatividade na hora. Mas ele está desculpado, porque, provavelmente, não lembro bem, ele já deve ter comprado algo ou para nosso pai ou para nossa mãe que não devo ter realizado o reembolso.
Tudo isso é normal, mas o que mais me surpreende é termos uma prova de que somos irmãos de sangue: um sinal do lado direito do peito. O dele mais escuro por ele ser moreno e o meu mais claro por eu ser galego. Algo talvez banal, mas que para mim é muito forte. Mostra que somos mais que irmãos, somos iguais.
#PALAVRAJOVEM é a série de crônicas publicada em Mundo Leitura semanalmente, as terças e quintas.
O autor Severino Rodrigues é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Publicou pela Cortez Editora os livros:Sequestro em Urbana, 2013, e Mistérios em Verdejantes, 2015.
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