Por Claudia Lins
Desde criança Tiago Amaral sempre desejou se mudar para o Sítio do Picapau Amarelo. Virou gente grande, foi estudar arquitetura e ainda não imaginava os caminhos por onde a literatura poderia conduzi-lo, quando lançou seu primeiro livro infantil, numa época em que a ideia de uma Bienal do Livro em Alagoas começava a germinar. Depois dessa experiência, continuou trabalhando com edição de livros, fez muitas capas para autores da Editora da Universidade Federal de Alagoas e seguiu trabalhando em projetos da arquitetura, sua profissão. O tempo passou, mas a vontade de voltar a escrever para crianças, só aumentava. E foi assim que ele decidiu mergulhar para valer no universo da literatura infantil, escrevendo e ilustrando livros para o Selo Passarada, que ajudou a criar em 2009, na cidade de Maceió, onde nasceu, vive e produz histórias.
Mundo Leitura: Quantos livros você já publicou, e qual foi seu primeiro trabalho com literatura infantil?
Tiago: Tenho três textos infantis publicados: “Filho de peixe peixinho não é”, “A formiga e a figueira”, que faz parte do livro “Os segredos da mata”, e “A casa da reinação”, todos pelo Selo Passarada. Meu trabalho inicial foi a primeira versão de “Filho de peixe peixinho não é”, que lancei na primeira Bienal do Livro de Alagoas, em 1998.
Mundo Leitura: Já publicou livros de outros gêneros?
Tiago: Escrevi textos para duas publicações sobre arquitetura: “Pequeno dicionário de um arquiteto” e “Traço do arquiteto”.
Mundo Leitura: Você se define arquiteto de formação e escritor de coração. Quando começou a escrever?
Tiago: Quem é escritor tem sempre aquela pilha de papéis amarelados ou algum caderno velho cheios de ideias e textos entocados em gavetas e armários. Como eu comecei a escrever bem antes da era do computador, possuo essas relíquias, folhas e mais folhas preenchidas à mão, de quando me apaixonei pelas palavras ainda criança. Eu tinha uns 8 anos quando tomei gosto por isso, mas só fui publicar o primeiro livro aos 21 anos de idade.
Mundo Leitura: E quando se tornou escritor pra valer?
Tiago: Quando surgiu a oportunidade de lançar um livro durante a Bienal de 1998. Nessa época, eu era estudante de arquitetura e estagiava na EDUFAL, fazendo a programação visual das capas de suas publicações. A editora da universidade queria publicar títulos infantis para o evento e, como eu já ilustrava alguns de seus livros, resolveram apostar em mim como escritor.
Mundo Leitura: E o novo livro, que história ele conta?
Tiago: Meu livro mais recente é “A casa da reinação”. Neste, além do texto, voltei a ilustrar, algo que não fazia há mais de 10 anos. É um trabalho em que depositei todas as pequenas grandes coisas que me marcaram quando criança. O livro é sobre um casal de irmãos que descobrem as alegrias e tristezas da vida entre a fantasia da infância e a realidade da vida adulta.
Mundo Leitura: Está escrevendo alguma história nova?
Tiago: Sempre! Quando as ideias ainda não estão no papel ou no HD do computador, elas se amontoam em minha cabeça. Elas vão ganhando corpo até que precisam nascer. Então, a mágica acontece. No momento, estou com três textos inéditos.
Mundo Leitura: Como acontece seu processo criativo, como cria seus personagens, de onde vem as histórias?
Tiago: Eu parto do princípio que para uma história ser contada ela precisa valer a pena, ela tem de tocar o leitor de alguma maneira. Não consigo contar uma história só para entreter, distrair as pessoas, fazer uma rima bonitinha que não diz nada ou narrar as estripulias tolas de algum bichinho engraçadinho. Não subestimo meus leitores. Meu texto tem de revelar alguma verdade e é por isso que escrevo a partir de minhas próprias experiências, tanto infantis quanto adultas. Além disso, como escritor, eu invento o sentido que a vida real não tem, faço chover quando a história pede uma reviravolta ou junto dois personagens cuja amizade resolverá todos os problemas no final. A gente se sente um pouco Deus quando escreve, mas o mais impressionante é constatar que em muitos textos os personagens e histórias que criamos acabam saindo bem diferentes daqueles que imaginamos no início, como se ganhassem vida própria.
Mundo Leitura: Fale sobre o desafio e o prazer de fazer literatura em Alagoas?
Tiago: Põe desafio nisso! Vivemos num tempo onde as informações se amontoam à nossa frente, sem que precisemos fazer nada além de simplesmente abrir os olhos para recebê-las. Se tudo já vem “mastigado”, por que desacelerar e deixar essa vida corrida de lado para mergulhar num livro? Eu poderia jogar a culpa da dificuldade em se fazer literatura em Alagoas na falta de incentivo generalizada, tanto do nosso sistema de ensino quanto das ações do governo, mas o fenômeno não se restringe ao nosso Estado, tampouco é uma questão puramente educacional e política. Cada casa é um caso. É na f ormação familiar que experimentamos nossos primeiros e talvez mais duradouros prazeres e, se não vemos nossos pais lendo livros, esperar que a escola e o estado promovam sozinhos esse hábito é muito pouco. Leitores são pessoas que não apenas leem, porque isso é o básico que se aprende em qualquer sala de aula, mas pessoas que leem pensando, absorvendo ideias, transformando-as em outras, criticando, opinando, discordando, somando, habilidades melhor desenvolvidas quando lemos por paixão e não por obrigação. Esse tipo de leitor, o único genuíno, só se forma quando se gosta de ler, e não quando se tem que ler. Meu prazer como escritor é um só, escrevendo em Alagoas ou em qualquer outro lugar. É o prazer dos leitores que realmente importa.
Mundo Leitura: Aproveite esse espaço para falar de seus projetos, sonhos e planos para o futuro!
Tiago: Quem pensa muito no futuro é como aquela pessoa ansiosa que pega um livro e abre logo na última página para ver como a história acaba. Eu prefiro começar do começo, ler um capítulo por vez e me deliciar com cada passagem do texto. Meu trabalho como escritor segue por esse caminho, um dia após o outro, e, dessa forma, meu projeto é o de escrever mais uma página hoje, meu sonho é o de conseguir escrever nessa página o meu melhor texto, e o plano é terminar o novo livro a contento. É um prazer diário o que busco quando escrevo. Depois que o livro está pronto ele pode voar sozinho. Tento escrever sobre assuntos que deem essa autonomia aos meus livros, garantindo-lhes, portanto, um futuro. Nesse sentido, acredito que minha meta de verdade seja o presente.
Mundo Leitura: Em sua opinião, o que pode ajudar a tornar o livro e a leitura mais presentes na vida das crianças, adolescentes e adultos?
Tiago: As pessoas precisam descobrir que mais importante do que ler um livro é saber ler as ideias contidas nele. Muita gente lê por ler e faz do livro um bicho-papão ou um remédio “ruim” que precisa ser tomado para se curar de alguma doença. O livro é apenas o instrumento que nos aproxima das ideias em seu estado mais puro, menos corrompidas pela veiculação “pronta” de outros meios, como o cinema, a televisão e a internet. Quem incentiva a leitura ou quem trabalha com literatura tem de reconhecer primeiro essa diferença entre os “leres” para depois poder despertar esse gosto em quem quer que seja.
Mundo Leitura: Como acredita que pais e educadores possam ajudar suas crianças a fazer do ato da leitura algo prazeroso e especial?
Tiago: Justamente lhes ensinando a verdade. Se pais e educadores realmente gostam de ler, as chances de seus filhos e alunos passarem a gostar também serão bem maiores. Não adianta convencer alguém a fazer qualquer coisa se você não acredita no que diz. Eu tive uma professora de literatura que me ensinou isso com os olhos. Não me esqueço jamais do brilho deles em todas as suas aulas.
Mundo Leitura: Livro bom tem idade?
Tiago: É justamente o contrário. Os livros têm de ser universais e atemporais para que perdurem. A dúvida cruel de Bentinho e os olhos de ressaca de Capitu foram narrados no Rio de Janeiro, há mais de um século, e estou certo que teriam causado o mesmo impacto em mim se Machado de Assis os tivesse descrito em qualquer outro lugar ou fosse um escritor atual e situasse seu texto nos dias de hoje. Porque é a ideia por trás da história que deve fascinar. Nesse sentido, um adulto poderá se deliciar com uma boa história infantil, daquelas que dizem verdades simples, porém arrebatadoras, assim como uma criança mais curiosa poderá desvendar novas verdades em textos mais densos.
LEITURA DINÂMICA
Livro de cabeceira: O que estou lendo no momento: “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”, escrito pelo autor moçambicano Mia Couto.
O que anda lendo ultimamente: Gosto de ler livros que abordam temas filosóficos, como os do autor norueguês Jostein Gaarder, seu último “O castelo nos Pirineus”, e “A elegância do ouriço”, da autora francesa Muriel Barbery.
Livro que te marcou na infância: “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, o primeiro livro que li por conta própria.
Autor ou ilustrador que admira: Maurice Sendak. Ele escreve e ilustra suas histórias, todas cheias de uma melancolia e uma simplicidade impressionantes.
História que gostaria de ter escrito: Não há uma história, mas sim uma maneira de escrever que eu gostaria de aprender. Maurice Sendak, por exemplo, diz muito com poucas palavras.
Personagem inesquecível: Emília, a Marquesa de Rabicó, minha primeira grande paixão.
Lugar de uma história onde gostaria de passear: Na verdade, eu sempre tive vontade de viver no Sítio do Picapau Amarelo.
Tiago,adorei sua entrevista,ela revela seu carácter e sua personalidade e o lado criança adulto que existe dentro de cada ser humano. A leitura é fascinante, nos transporta para um mundo cheio de fantasias, surpresas e imaginação e que deixa uma mensagem verdadeira da realidade da vida. Beijos da tia Joyce